segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Pensamento nº 2

Copérnico jamais se apaixonou, jamais,
ou saberia que o centro do universo tem braços, pernas e olhos caramelados,
mãos, boca, sorrisos e cabelos negros encaracolados.
Tivesse Newton um coração no lugar de uma maçã,
entenderia que o amor, o amor é a gravidade dos corpos.

Ó homens de ciência e razão,
que tudo medem e classificam,
de vidas inteiras dedicadas ao estudo,
adequadas ao método, escutai minhas palavras
e aprendei: tudo o que é mais importante não tem medida ou classificação.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Pensamento nº 1


Se eu ando, corro e salto,
por que é que ela tem asma?
Se eu xingo, grito e canto,
por que é que ela tem asma?

Quando ela passa,
meu coração dispara,
meus pulmões insuflam,
e eu me transformo numa bombinha de ar ambulante.
Será que é por isso que ela tem asma?

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Nutrindo ideias

Devemos pensar a convicção
como uma ideia adoecida,
apodrecida,
morta.
E a dúvida,
como sendo o remédio que trata das ideias.
Ideia sã é ideia criticada,
questionada,
devassada.
As ideias vivas precisam de dúvidas para crescer.
A dúvida é o alimento que as nutre
e, quanto mais famintas são as ideias,
mais dúvidas são necessárias para alimentá-las.
Ideias sadias, bem nutridas,
têm pernas fortes.

Percorrem o mundo inteiro.

sábado, 13 de agosto de 2011

Direções


Com os olhos fechados, tenho certeza de tudo,
mas, se os abro um pouquinho que seja,
as dúvidas logo aparecem.
Meus pensamentos não têm nexo,
ainda assim, procuro um princípio.
Não posso ficar parado.
Também não preciso seguir sempre em frente.
Mudar de direção já é um princípio,
e o princípio de tudo é a mudança.

Há, antes de cada passo, infinitas direções, eu me lembro,
caminhos que determinam meu futuro.
E o futuro, já sabemos, não existe;
e o que sabemos, eu sei, também não existe.

sábado, 6 de agosto de 2011

Moça Bia


“Com o diabo, planejando uma forma de te ter;
à noite, caminhando, esperando o amanhecer.
Ao sol de um belo dia, na trilha do medo,
para a mata, ela corria, imprevisível segredo.

Perder-me em teus traços, incomparável beleza;
morrer em teus braços, terrível frieza.”

Moça Beatriz

“Perder-me em teus traços, incomparável beleza;
morrer em teus braços, terrível frieza”.

Como são belos os dias no sertão quando as manhãs descobrem-se lentamente, enquanto o sol convida a sair!
A vida no campo sempre se apresentara mansamente para a doce Beatriz, menina nascida e criada na fazenda. Linda moça dos cabelos e olhos castanhos, que jamais teve qualquer aborrecimento. É difícil encontrar no mundo beleza igual à de Beatriz – na Bahia, com certeza, não há. Filha de fazendeiro rico, seu Antônio Ferraz, quase um coronel, político de grande prestígio no interior, e de dona Cândida, mulher de princípios cristãos muito honestos, Beatriz saiu aos dois: tinha o enorme carisma do pai e os mesmos valores da mãe.
Aos domingos, a jovem sempre vai à missa, aliás, única ocasião em que costuma deixar a fazenda. Vaidosa, passa horas escolhendo o vestido o qual usará. Decidida, não gosta que dona Cândida, por mais gentil que seja, opine em sua escolha. Apesar disso, no restante dos dias, Beatriz é uma moça simples, recatada e muito gentil com todos, principalmente com sua mãe, a quem dedica grande carinho.
Não há muitos compromissos para Beatriz na fazenda. Na verdade, ela possui todo o tempo do mundo disponível para si mesma. A maior parte gasta com música e leitura – Tchaikovsky, Chopin, Beethoven, Nietzsche, Foucault, Pessoa. Noutras oportunidades, entrega-se à contemplação da natureza sertaneja, caminha por antigas trilhas na mata, sozinha, a escutar os pássaros e a sonhar.
Certa vez, num desses passeios pela tarde, moça Beatriz caminhou até um pequeno olho-d’água, que fica um tanto distante da sede da fazenda. Lá, podia ouvir o melodioso canto das pequenas aves silvestres e o leve murmurinho das águas ao passo que deixava pequenas gostas cair por sobre seu rosto para refrescar-lhe. Os raios de sol dispersavam-se por entre as gotículas, recaindo sobre a pele extraordinariamente branca de Beatriz, como uma pintura em porcelana.
A menina poderia passar horas ali, lucubrando, sem se preocupar com o tempo ou com qualquer outra coisa – estava completamente absorta. Meditava provocada por poesias que lera naquela manhã. Não conseguia parar de pensar acerca da infinidade e da verdade. Seus pensamentos perdiam-se no tempo e no espaço; ainda assim, isso não a impediu de notar um leve, porém, estranho movimento na mata. Beatriz disfarçou o susto e continuou com o que estava fazendo. Mais que isso, agora tinha mais desenvoltura, pois supôs que havia alguém escondido entre os arbustos. Imaginou que estava sendo observada.
Com extrema delicadeza, retirou um pequeno laço branco que prendia seus cabelos, fazendo um suave movimento para soltá-los. Em seguida, pôs com cuidado o lindo enfeite por sobre as pedras, de modo que ficasse bem preso e amostra. Durante algum tempo, permaneceu ali, imóvel, até que se levantou e começou a refazer o caminho de casa sem olhar para trás. Assim que cruzou as primeiras árvores, parou, procurou um lugar para esconder-se e ficou a observar. Ansiosa, não parava de tremer – morria de medo.
Pouco tempo depois, tal qual um felino à espreita, um homem surgiu por entre a folhagem, já bem próximo ao olho-d’água. Beatriz esforçou-se para enxergar seu rosto. O desconhecido apanhou das pedras o lacinho branco e levou-o até os lábios. Nesse momento, a moça conseguiu reconhecer aquele homem. Seu nome é Sócrates, filho de um dos empregados da fazenda. Ele também morou lá enquanto garoto, mas foi embora rapazote para tornar-se policial. Quando Sócrates deixou a fazenda, Beatriz ainda era uma criança. Os dois nunca se falaram. A garota sabia que ele tinha regressado, mas não o vira até então. Segundo diziam, ele havia sido expulso da corporação. E foi por força da vontade do coronel Antônio Ferraz, passando por cima das recomendações de dona Cândida, que ele voltou a morar na fazenda.
Prevendo que logo iria escurecer, Beatriz virou-se devagar e, tentando não fazer muito barulho, pôs-se a correr em direção à sede. O desespero tomou conta de seu peito. Aquelas trilhas nunca foram tão sinuosas, a casa nunca esteve tão distante, e seus pés nunca estiveram tão pesados, mas, enfim, chegou.
A mesa de jantar já estava posta quando Beatriz passou por dona Cândida. A pequena nem percebeu a mãe, tão apreensiva que estava.
– Aonde você vai, menina? O jantar já está servido! – Disse a cuidadosa mãe. Beatriz nada ouviu, seguiu para o quarto e trancou-se. Dona Cândida foi atrás.
– Menina, abre essa porta! Você não ouviu o que eu te falei? A comida está na mesa.
Por algum momento, a jovem não disse uma única palavra, teve a impressão de que as paredes de seu quarto iriam desmoronar-se sobre sua cabeça. O chão, sempre tão firme, estava movediço. E não encontrava oxigênio suficiente para manter-se de pé. Iria desmaiar. Antes que chegasse a perder a consciência de fato, no entanto, acalmou-se. Abriu a porta devagar. Dona Cândida estava de pé, em frente a ela. Beatriz olhou para sua mãe como se duvidasse de sua existência, como se duvidasse que a mãe estava realmente lá. Na verdade, duvidou de tudo, inclusive de si mesma. “O ato de abrir os olhos pode ser a ilusão de um ritual para nos fazer acreditar na realidade” – pensou.
Em seguida, reuniu todas as suas forças e, enfim, deu um longo suspiro. Já completamente reconfigurada, perguntou com exagerado entusiasmo:
– O que preparou dessa vez, mainha? Estou morrendo de fome!
Não, não estava sendo sincera. Beatriz não tinha o menor interesse por qualquer que fosse a refeição naquela noite. Comeu o menos possível, estava nervosa demais para cear. Nem esperou que seus pais terminassem, logo pediu licença e entrou para o quarto novamente. Ela não conseguia parar de pensar no encontro de há pouco.
Percorreu a estante do quarto com os olhos e retirou de lá um pequeno livro de poesias – o mesmo que lera nas noites anteriores. Retomando sua leitura, ficou a refletir sobre a vida durante horas. Mais uma vez, provocada por aquelas mesmas ideias. A infinidade do tempo, pensava somente na infinidade do tempo, que retardava a aurora. Por fim, superada pelo cansaço, adormeceu antes que o dia raiasse.
Era hábito todos sentarem-se à mesa para fazer as refeições. E, assim que terminou de preparar o café da manhã, dona Cândida, como de costume, foi ao quarto de Beatriz para acordar a pequena.
– Acorda, Bia. Você sabe que o seu pai não gosta de tomar o café da manhã sem você – disse com mansidão.
– Eu sei – respondeu a moça. – Já tô indo.
A noite de sono, ao que pareceu, fez muito bem a Beatriz, pois que ela acordou completamente diferente. Longe de estar preocupada, estava animadíssima, tal como se nada tivesse acontecido, como se aquela fosse uma manhã igual a qualquer outra do sertão. E, como todos os dias do sertão, tudo estava ensolarado.
Beatriz tomou o café da manhã demoradamente, conversou sobre diversos assuntos, falou muito a respeito da missa do domingo próximo. Quando terminou, a moça correu para o banho, onde passou mais tempo ainda. Em seguida, foi para o quarto novamente. Abriu o guarda-roupa e estendeu sobre a cama o vestido branco que estava pensando em usar no domingo – era o que ela mais gostava, ainda que não fosse o mais novo. Moça Beatriz cuidou dos mínimos detalhes na frente do espelho. Por fim, pôs um lacinho vermelho no cabelo e perfumou-se. Um aroma dionisíaco!
A menina deixou o quarto apressada em direção ao terreiro. Já fora, pegou o regador e começou a molhar algumas plantas. Antes de terminar, porém, deu umas voltas ao redor da casa para, em seguida, abandonar o regador. Algum tempo depois, pôs-se a caminhar mais ao longe da sede, seguindo para a mata, rumo ao olho-d’água.
Enquanto caminhava, Beatriz não notou qualquer sinal de que estava sendo seguida. Ao contrário, tudo lhe parecia tão ou mais calmo do que de costume. Os pássaros ensaiavam seus cantos; e as borboletas, suas cores. Antes que se desse por conta, a pequena já podia ouvir o murmurar das águas do pequeno córrego. Mas, assim que avistou o olho-d’água, sentiu um arrepio. O tal Sócrates lá estava, como que a esperando, parado. Naquele momento, por um breve instante, Beatriz hesitou, estava congelada, sentiu o coração martelar no peito. As pernas tremiam descontroladamente.
Aqueles poucos segundos estenderam-se infinitamente. A moça fitou os olhos do homem. Não parecia homem. Obcecado, lembrava mais um animal selvagem. Roupas simples cobriam-lhe o corpo, mas, ainda assim, era possível notar sua robustez. E, em meio ao terror, sem que dissesse uma única palavra, a jovem usou todas as suas forças para correr desesperadamente mata adentro. Sócrates a seguiu imediatamente.
O corpo esguio, apesar de sua aparente fragilidade, conferia agilidade à moça. Seus pés lançavam-se contra a relva, enquanto arbustos cortavam delicada pele. O desespero não permitiu que Beatriz sentisse qualquer dor, pois corria por sua vida. O homem, ao contrário, era mais animalesco e aproximava-se com assustadora velocidade. Aos poucos, ficou claro para a garota, não havia como escapar. Ela seria capturada.
Inesperadamente, para a surpresa de Sócrates, Beatriz parou e o encarou. Nesse momento, ele também parou. Os dois entreolharam-se por alguns instantes. Ambos estavam ofegantes. A menina, bem mais do que ele. O delírio da caçada fez com que o homem se detivesse frente àquela visão. Moça Beatriz estava imóvel diante daquele adversário, cuja vontade implacável o tornara irresistivelmente poderoso. Cansada da corrida, seu pulmão ardia e seu corpo tremia.
Nesse momento de trégua e de hesitação, a jovem levou as mãos aos cabelos e, devagar, retirou novamente o laço que os prendia. Dessa vez, atirou-o ao chão. Fez ainda mais um movimento, deixando seus cabelos bem soltos. Sócrates, por sua vez, assistiu a tudo isso vidrado, enlouquecido de paixão.
De repente, moça Beatriz fez um rápido movimento com seu corpo, como se fosse tentar escapar. De imediato, Sócrates começou a correr, porém, parou ao ver que a garota só o havia fintado. Ele sorriu. Em seguida, a moça repetiu o movimento – agora, para o lado oposto. Como um louco, Sócrates se pôs a correr, mas, ao perceber que se tratava de outra finta da garota, tentou voltar mais rápido do que poderia. Sua pressa fez com que escorregasse, tamanho era seu descontrole. Dessa vez, foi ela quem sorriu.
A menina aproveitou a oportunidade para retomar a fuga, adentrando mais profundamente na mata. Tomado pela fúria, Sócrates rosnava. Já sem tanta pressa para, reiniciou a caçada. A moça, a cada passo, embrenhava-se mais e mais na mata. Não havia para onde ir. Naquela direção, não haveria de encontrar qualquer refúgio, ninguém que pudesse socorrê-la, nem mesmo ouvi-la. Assim, os dois recomeçaram a corrida mortal.
Era com extrema dificuldade que Beatriz conseguia passar pelos galhos. A floresta, como que torcendo contra a jovem, ia se fechando mais e mais. Sua pele frágil sofria com o flagelo. O selvagem Sócrates, no entanto, já não se incomodava com tal. Ambos correram muito até que as forças da menina fossem, enfim, superadas pelo desejo inabalável de seu perseguidor. Não havia mais como continuar, seu coração parecia que iria explodir. Naquele instante, Beatriz parou e se virou na direção de Sócrates. Desta vez, ele não hesitou, atirando-se por sobre a garota. Os dois caíram no chão. Sim, ele a havia capturado e, agora, não pensava noutra coisa, senão em seu prêmio.
Deitado por entre as pernas da pequena, ergueu-se um pouco para contemplá-la. Então, pôde ver os cabelos castanhos de moça Beatriz esparramarem-se pelo chão, bem como sua pele extremamente branca corar devido ao esforço da corrida. Seu cheiro incrivelmente delicioso exalava pelo ar. Completamente entregue, ela o olhava fixamente, deixando-se amolecer. Sócrates podia sentir o peito arfante de Beatriz enquanto suas mãos sujas percorriam seu corpo.
Excitado, nervoso, ele estava tomado pela paixão. Inebriado, enlouquecido. Em seu furor, despia o busto da moça e, no instante em que vislumbrou seus seios, sentiu um arrepio – pois que nada na criação poderia ser mais belo. Havia uma certa expressão mansa em sua fisionomia. De tal modo que se aproximou delicadamente para beijá-los quando, de repente, foi tomado por uma dor lancinante. Sócrates sentiu como se um terrível animal tivesse fincado suas presas na parte posterior de seu dorso, próxima ao pescoço.
Beatriz o tinha atacado com um punhal, fincado sua lâmina profundamente e girando-a em seguida.
A morte, com certeza, não combina com dias tão belos, e a vida parece não aceitar abandonar um corpo tão repentinamente – então, grita e chora. O sangue jorrava ao passo que ele se contorcia de dor. A moça, sem hesitação, segurou os cabelos dele e o apunhalou mais algumas vezes. Aquele líquido vermelho, quente e viscoso se derramava por sobre o rosto de Beatriz, banhando seu corpo.
Ela permaneceu ali, calada, até que a última gota rubra se derramasse. Em seguida, soltou uma terrível gargalhada antes de engasgar com o sangue. Estava extasiada! Acariciava os cabelos de sua vítima, chegando mesmo a lamber seu rosto. Pensou que teria sido muito mais prazeroso se a tivesse deixado penetrar. Até insinuou alguns movimentos obscenos com o corpo já sem vida daquela infame criatura – como se simulasse o ato sexual. Por fim, deu-se por satisfeita. Empurrou o cadáver de cima de si e levantou-se. Beatriz estava completamente descomposta. Seu vestido não passava de farrapos. Mas, com espantosa serenidade, começou a caminhar em direção ao olho-d’água. Tranquilamente, retirou sua roupa e deitou-se no pequeno córrego, deixando a água banhar seu corpo. Ali, moça Beatriz retomou suas lucubrações de onde havia parado no dia anterior. As gotículas de água, os raios de sol, a brancura da pele, o vermelho do sangue...





[1] Escrito por Ciro Prates.

Meu Caminho

Eu, que caminho com as pedras, o que posso aprender com elas?
O que posso querer das pedras, se são pedras?

Talvez, no fim, não haja pedras no meu caminho.
Talvez as pedras sejam o meu caminho.

Sonhos de Uma Vida Inteira

Religião, ideologia, sexo, álcool
não causam mais tanto efeito em seus dependentes.
A mente dos viciados precisa de substâncias mais fortes.
Felizmente, o sistema consegue satisfazer novas dependências.

A vida tornou-se um imenso corredor de shopping,
repleto de vitrines com televisores, roupas, marcas, joias
e toda sorte de drogas tecnológicas,
entorpecentes digitais.
Tudo para preencher o vazio de nossas almas.

Não haverá mais depressões, acreditem.
Estaremos sempre plenamente satisfeitos, acreditem.
Com um pouco mais de fé, acreditem, seremos todos completamente idiotas.

...

Porém, no fim desse corredor, acreditem ou não, a morte ainda estará lá.

Universo

O universo é infinito.
Há infinitos infinitos,
infinitésimos infinitos
e infinitos infinitésimos.
E tudo faz parte do mesmo universo.

Mas a mente humana,
incapaz de compreender o todo,
enxerga somente o caos.
É preciso inventar o contrário de tudo,
o fim do infinito,
criar o nada,
para estabelecer a ordem.

A unidade nasce da morte da universalidade!

O Preço da Verdade

Mas, afinal, qual o preço da verdade?
Choro e lágrimas?

A verdade é uma mercadoria vendida em partes.
Poucas são de graça,
muitas nem têm preço.
A maioria custa sangue, rios de sangue.
Outras, uma vida, duas, milhares até.

A verdade é o maior negócio do mundo;
e, quando nos falta verdade, pagamos caro.

Tradições

Tão fatal quanto um tiro no peito
é o preconceito.
O sangue do corpo caído
reflete a face do amor traído.
Porque a verdade que a morte não cala
é mais forte do que a própria bala.

O mundo, por palavras desmoronado,
em tradições, se vê sepultado.
A Família, a Escola, a Igreja.
Um homem, uma arma, uma cerveja.

Vida

A vida é uma força ambiciosa.
E o movimento é a expressão de sua necessidade,
do desejo de ser completa.
Quanto maior o desejo,
maior a velocidade.

A plenitude nos tornaria imóveis,
como pedras numa praia qualquer.

Antes de cada passo,
infinitas direções,
caminhos que transformam o presente.
A vontade exige decisão,
e errar faz parte da vida.

Real

A loucura é um vício.
A razão, uma tortura.
Não se cura, porque é difícil.

Mentira Assassinada

A Dúvida assassinou a Mentira, 
que era mãe da Fantasia, 
que era irmã do Mito, 
que era pai do Dogma, 
que era marido da Religião, 
que era madrasta da Fé, 
que era prima da Crença, 
que era parente da Certeza, 
que era cunhada da Verdade, 
que era amiga da Realidade.

A Dúvida nos fez órfãos.
A Dúvida nos fez livres!

Sociedade

Não é só o meu muro.
É o meu muro e o de todo mundo.
É isso o que há.
Juntos, formam uma só estrutura,
uma monstruosa estrutura,
um labirinto.

Em muitos desses muros, encontramos janelas e portas.
Algumas nos levam direto ao sucesso;
a maioria, para o fracasso, até o fracasso.
Isso, quando não estão fechadas e trancadas.

Penso em tantas vidas desencontradas,
separadas por um ou por infinitos muros.
Posso ouvi-las, já disse.
Estão lá, do outro lado.
São, como eu, perdidas.

Como seria o mundo, se não houvesse muros nem portas?
Ai daquele que atentasse contra os muros,
seria esmagado com certeza.

Queria eu ter uma marreta,
queria eu que todos tivessem marretas...
Não, é melhor não,
pois que as marretas poderiam e seriam usadas em favor dos muros.
Então, seriam os muros e as marretas.
Ai daquele que atentasse contra os muros e as marretas...

Olhos Vendados

Vendo os olhos, calo a boca e fecho a cara,
ato as mãos, cruzo os braços e corto meus pulsos,
só depois é que digo amém.

Deus é tudo o que nos falta para compreender o universo,
a resposta para todos os questionamentos,
nossa própria ignorância.

Tempestade

Não posso aceitar a mediocridade de um destino escrito.
Eu, que era satisfeito e entediado, agora espero morrer de fome e de sede,
servido por comida e água abundantes,
em meio a uma terrível tempestade
trazida por ventos tão fortes
que derrubará todos os muros.
Arrancará telhados e árvores.

Assim que essa tempestade chegar, abrirei minhas portas e janelas,
porque a quero em minha sala, em meu quarto e por toda a casa.
E, quando ela se for, eu a seguirei.
Antes, porém, lançarei aos ventos dessa tempestade sementes de antigas ideias
para que, no futuro, germinem e floresçam noutros campos,
gerem novos frutos e novas sementes.

Meu Tempo

O futuro não me surpreende mais, não mais.
Horas nada dizem de importante.
Ouço antes o som de agora.
A memória é uma janela aberta para paisagens do passado.
O tempo, um quadro de causas e efeitos.
E, no meio disso tudo, minha vida.

Da Verdade

A verdade não tem forma cristalizada.
Qualquer ideia concluída perde seu valor.
O dogma é um atentado.
A crença, um desvario.
Só há sinceridade nas ideias inacabadas.
A verdade está na busca,
visto que é infinita.

Como posso crer que tudo está em palavras,
se palavras não dizem tudo?

Fortaleza

O pior das fraquezas é o descontrole de si.

O mau é miserável,
pois prefere sempre o caminho mais fácil:
bater antes de avisar,
matar para não morrer.
Sua estratégia é a dissimulação;
sua arma, a mentira.
Maldade advém da fraqueza.

O bom, com certeza, é forte,
porque devolve não o que sofre,
mas o que gostaria de ter recebido:
antes apanhar a ter de bater,
morrer do que matar.
Bondade exige força.

Decadência do Método

Não sei como,
mas fazem da ciência religião,
da matemática, dogma,
das academias, templos.
Gerações inteiras catequizadas por físicos, químicos, matemáticos,
sacerdotes d'uma era pós-moderna.
É o espírito científico, e não o santo, estrangulado pelo aparelho científico.
Sabe-se de tudo, duvida-se de nada.

Irmãos, lembrem-se que todos os cálculos são infinitos,
porque todos os números também são infinitos.
Para a esquerda, infinitos.
Para a direita, depois da vírgula, infinitos.
Ou seriam outros números, caso assim não fossem.
E que, entre dois números, há sempre infinitos mais,
frações infinitésimas, infinitésimas, nunca reveladas.

Aceitação

Não há nada.
Não há nada além do que posso sentir
e do que posso imaginar.
Não há nada pra mim.
Eu nunca soube pedir.
Eu nunca soube chorar.

Incompletude

Não sou completo
e tenho necessidade de ser.
Como chama, o desejo me consome.
Quero ser o que não sou já,
ter o que não tenho ainda,
estar onde não estou agora,
fazer o que nunca fiz.
Quero tudo e tudo de novo.
Riqueza, fama, beleza,
bondade, sabedoria, felicidade.
De todos, tenho inveja;
de tudo, carência.

Não sou porque sou,
mas porque não sou,
porque não tenho,
porque não faço,
porque não sinto,
porque não penso.

Eu estou no outro,
consciente ou não.
Na diferença, me encontro.
Na oposição, me delimito.
Completo, eu não existo.

Folhas ao Vento

No céu, anjos ao léu;
na terra, homens em guerra.
Religiosos e fiéis,
impiedosos e cruéis.

Onde estará esse deus,
nos teus sonhos ou nos meus?

Consumindo-se em fé,
verás o que quiser,
mas, somente com a razão,
livrar-se-á da ilusão.

A verdade é inatingível,
porque tu és insensível.
Se não podes compreendê-la,
como queres escrevê-la?

Não há como saber,
não antes de morrer.
A morte é apenas um fado,
uma mudança de estado.

Acorda, segue teu caminho,
tu não estás sozinho.
Este é o meu pensamento;
o resto, folhas ao vento.

Entre Espelhos

Reflito
por que sou espelho.
Reflito
e ainda sou espelho.
Reflito todas as luzes da história;
além disso, minhas próprias luzes.

As pessoas andam por aí
como se soubessem o que estão fazendo,
como se soubessem o que está se passando.
Como se enganam!

Apenas imagens
é tudo o que vejo.
Cheias por fora,
vazias por dentro.
Ocupam-se das menores necessidades,
seguem à risca modelos há muito ultrapassados,
preenchem suas vidas com nada.
Luzes de estrelas extintas.

Quanto tempo mais perdurará essa encenação?
Estou cansado do palco, dos personagens,
do roteiro e de todo o resto.
Fechem as cortinas,
não há mais público,
somente atores.
Cancelem os espetáculos,
devolvam-me os ingressos.

Será que apenas eu quero ser eu?
De que me serve a identidade de outros?

Imitar é deixar de ser o que é
para ser o que nunca será.
Não há um eu nem um tu, nem um ele,
muito menos, um nós.
Não há nada nem ninguém.

Espelhos, o que pode ser mais importante do que nós?

Assim que eu sair, ó espelhos,
deixarei a luz acesa.
Reflitam-na.

Justiça

Muralha de integridade,
o justo ergue-se contra a iniquidade.
Sua palavra corta o silêncio
com o aço de sua vontade.

Desejos de um Eu Abandonado

Inquieta, aprisionada, ela chora.
Impaciente, frustrado, ele envelhece.
A mente tem vontades que o corpo ignora.
O corpo tem desejos que a mente desconhece.

Triste é realizar as fantasias da mente
sem se entregar aos impulsos do corpo.
Ainda mais triste é saciar as necessidades do corpo,
mas não satisfazer os caprichos da mente

Quantos olhares trocados,
quantas ideias esquecidas,
amores abandonados,
histórias repetidas?

Queria eu reduzir tudo a pó,
perder todas as lembranças,
lançar ao vento minhas esperanças
e, em meio ao universo, ficar só.

Distante do meu próprio mundo,
contemplar o que já não tenho mais.
À margem de um sonho profundo,
quem sabe, encontrar a paz.

Princípio do Método

Não posso duvidar da infinidade.

O Caminho das Pedras

Não se prenda a nada,
evolua sem cessar,
esteja sempre ao lado da razão.

Ó pedras do meu caminho,
se não posso vencê-las,
tampouco me unirei a vós,
que não quereis caminhar.
Eu, que não consigo ficar parado,
preciso contornar-vos,
porque, empedernidas, vossa consciência é pesada.

Brilho opaco das mentes de granito,
vontade sem fim de permanecerem as mesmas,
investem sobre mim com pontas afiadas,
derramando lágrimas e sangue por terra.
Percorro trilhas descalço
e trago comigo algumas pequenas de vós
para lançar contra meus inimigos
ou abandonar quando estiver exausto.

A maioria hei de esquecer com certeza.
Outras, não poderei tão facilmente,
pois que deixaram grandes cicatrizes,
lembranças de um caminho cheio de pedras.

Diálogos Distantes

– Você me faz perguntas, para as quais, tenho cá vagas respostas; e, se são respostas verdadeiras, são também apenas perguntas... O nada não pode ser tudo, porque, mesmo que fosse, ainda não seria nada... Mas, enfim, a vida é uma força ambiciosa.

Dos Heróis

Quando o sonho é mais maravilhoso,
quando a cama está mais aconchegante,
acorde, levante-se,
fique atento!

Imagem invertida de si,
encarar quando quiser fugir,
vontade que contraria o instinto.
Só tem coragem quem tem medo.
Não há valentia em desconhecer o risco.
Eis porque são poucos os valentes.
Não é bravo aquele que voa porque pode voar,
mas o é porque pode cair.
Aplausos aos que falam
enquanto os demais se calam.
Medalhas para os que poderiam ter escapado,
no entanto, morreram.
Serão lembrados apenas os que têm sede de verdade.