domingo, 22 de março de 2015

O ladrão

A serpente guia o ladrão
por ruas lamacentas,
protegendo-o com a escuridão
de noites turbulentas.

Carregando sua adaga afiada,
o ladino o paredão escala
e, com uma única estocada,
o vigia para sempre se cala.

Em algum lugar do castelo,
numa câmara guardado,
há um tesouro tão belo
que breve será roubado.

Os corredores são labirintos
e há armadilhas por todo o lugar,
mas o gatuno segue seus instintos,
certamente, irá encontrar.

Tudo lhe parece ameaçador.
Espectros dançam à sua frente,
sombras projetadas no corredor.
Ilusões da sua mente.

Ambicioso,
sua vontade persiste.
Audacioso,
a tudo resiste.

Sem saber ao certo,
descendo pelos caminhos mais sombrios,
vai chegando cada vez mais perto,
superando os desafios.

Salta o abismo de um fosso.
Agarra-se a uma rocha
sem quebrar nenhum osso.
Acende sua tocha.

Tateia paredes de granito,
procurando uma passagem escondida.
Seus dedos, com cuidado infinito,
descobrem a fechadura há muito esquecida.

A chave que traz consigo,
enferrujada, mas valiosa,
fora roubada de um velho inimigo,
espólio de uma vingança ardilosa.

Uma vez no coração do palácio,
o ladrão tem uma oportunidade única.
Tudo lhe parece muito fácil.
Ele retira sua túnica.

Imerso na escuridão mais profunda,
uma última ameaça o espera.
No canto da câmara imunda,
sente a presença de uma temível fera.

Como saída de um sonho,
uma criatura com traços inumanos.
Avança o monstro medonho.
Emite gritos insanos.

O invasor, hesitante por um momento,
faz uso de sua arma secreta
e, num rápido movimento
com sua lâmina, um veneno injeta.

Fórmula letal
que aprendera ainda criança,
quando brincava com ervas no quintal.
Trágica lembrança!

No chão que agora pisa,
freneticamente convulsionando,
a fera agoniza,
sua boca espumando.

Chegada a hora da vitória,
guardadas de todos os olhares
– o ladino terá sua glória –,
joias aos milhares.

Um imenso baú de madeira,
esta noite, será levado.
Em histórias à frente da lareira,
o ladrão será lembrando.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Amantes do ódio

Tolos de convicções absurdas,
de metralhadoras e submetralhadoras,
com vossos mísseis e alvos indefinidos.
Homens de amor ao ódio,
amantes explosivos,
jamais tentais contra mim,
que sou vosso oposto.

Sois pedra.
Sou chuva.
Sois muro.
Sou porta.
Sois sono.
Sou insônia.
Sois espelho.
Sou luz.

E, enquanto vós dormis,
eu caminho.
Enquanto vós sonhais,
percorro trilhas descalço.
E, se me cortais, ó pedras,
sangro para irrigar vossas ideias,
subverter vossa decência,
fazer florescer vossa consciência.

Não, não temos nada em comum,
senão o que escondeis
por detrás de vossas manhas.
Vossa fome saciais com palavras.
Vossa sede, com mentiras.
Minha fome, eu a mato com desespero.
Minha sede, com hesitação
e dança.

Dança. 

terça-feira, 10 de março de 2015

Homenzinho branco triste

Pobre homenzinho branco triste,
que mundo é esse que não tolera mais suas macaquices!
Achacado por mulheres;
assediado por tantos outros homens,
bem posso ouvir seus lamentos:
"Por que ninguém olha pro meu pau?
Olhem pro meu pau.
Ei, olhem pro meu pau!"
- Mas ninguém quer saber de seus órgãos insignificantes.
Ó homenzinho branco tão triste,
que mundo é esse que rejeita o argumento de seus hormônios
e que dessacraliza suas bolas,
e que não cede ao seu desespero!
Grite, homenzinho!
Continue gritando:
"Eu tenho bolas.
E elas são lindas!
Duas bolinhas de carne.
Venham ver todos!"
- Quem sabe, um dia,
você terá todos à sua volta
a olhar para o centro de seu mundo.
Até lá, homenzinho,
continue lambendo seu próprio saco.
Só assim,
preservará a chama de seu culto acesa.
A chama de seu culto,
de seu culto,
de seu largo culto!

segunda-feira, 9 de março de 2015

Pobre borboleta

A cobra,
o sapo,
a aranha
e o rato

iniciaram, de forma mansa,
uma mortal dança.
Saboroso ritual
do mais tenebroso mal.

Bem fundo na escuridão,
a cobra começa o trabalho
com seu traiçoeiro chocalho.
Terrível canção.

O sapo asqueroso
pula, incha, coaxa
no chão pedregoso
(loucos movimentos
de impulsos violentos).

Em seguida, a aranha inicia
sua estranha magia
- tecendo o fio
de seu coração vil.

O rato, a tudo observando,
lentamente vai se aproximando,
percorrendo o labirinto
com seu olhar faminto.

Uma borboleta desgraçada
é trazida como que por encanto.
Fora atraída pelo sinistro canto.

Aprisionada
numa estaca torta
breve estará morta.
Enredada na teia,
será a ceia.

O medo lhe toma;
as asas contrai;
a consciência se esvai.
Entra em coma.

Nada pode fazer,
senão temer
e rezar
para o fim logo chegar
e morrer
sem muito sofrer.

A pior ou a melhor morte
quem determina é a sorte.
E, quando o mal é tal que não se pode evitar,
só nos resta aceitar.

Pobre borboleta!

domingo, 1 de março de 2015

Menos Ar

As paisagens se transformam em pinturas;
as janelas, em quadros.
Não há um só canto sem paredes.
E o meu canto, o meu canto é quase inaudível.

Há menos ar, menos inspiração.
Ainda assim, sinto o vento de uma tempestade.
Pingos d’água.
Ondas de lágrimas.

O sal. O sol. O céu. O seu. O meu. O eu.

Um horizonte de devaneios
emaranhado a tantas certezas.
Costurado por frios fios
de um destino sem clareza.

Não há raios de luz.
Não há salvação.
O desejo é sempre falta.
E a felicidade é uma ideia velha.